sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A folha que não queria ninguém

A gota que posou na folha de modo delicado vendo-a assim tão só abordou-a com todo o cuidado: - Oh minha querida folha, como consegues viver assim sempre tão carrancuda e solitária? – Cara gota, eu gosto de viver sozinha e de estar em paz no meu canto. Por favor sê cortês e vai-te embora! No entanto a gota não partiu e ali permaneceu durante longos tempos, imóvel. Esteve dias e noites a fio agarrada ao verde lustroso daquela folha que a cada dia que passava se tornava cada vez mais bonita. Pacientemente aguardou, suportando os silêncios intermináveis e procurando em qualquer sopro do vento ou atrevido raio de sol qualquer pretexto para fazer a folha sorrir. Com o passar do tempo a gota e a folha tornaram-se inseparáveis. Era hábito ficarem a conversar até altas horas, altura em que o brilho do luar era mais intenso trocando confidências e sonhos perdidos. Costumavam rir em gargalhadas sonoras sempre que avistavam algum intruso que lutava corajosamente para rebentar por entre as folhas secas. Ambos assistiam alegremente a este espectáculo brindando ao nascimento de uma nova vida. Inesperadamente a gota um dia disse: Hoje vou ter partir! Abismada com aquela noticia a folha procurou as justificações para o que lhe parecia ser uma muito precipitada decisão: - Sou uma gota, minha boa amiga. A minha natureza ordena-me que me recolha na terra, nesse chão que cobre as tuas raízes, aguardando a hora para tornar a encher as nuvens do céu. Dito isto partiu sem um adeus, caindo com uma pancada seca no manto castanho aos pés da folha. Ainda hoje “a folha que não queria ninguém” está a chorar em silêncio lamentando as dores da sua perda. Aos poucos, perdeu a espantosa cor que a caracterizava enchendo-se de um luto castanho e avermelhado. As árvores contam que ainda a vêem na direcção das nuvens sempre que está prestes a chover, gritando: - Porquê? Porque te foste embora?

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