quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
O meu seropositivo (conto para a Abraço)
Oiço o barulho ensurdecedor que ecoa como tambores na minha cabeça. Este som propaga-se de uma forma insuportável e não mostra sinais de num momento próximo me permitir entregar ao sossego. Manuel e eu trocamos olhares e é nesta ausência de palavras que nos consciencializamos da crueldade que nos entrou pela porta dentro sem avisar nem pedir permissão. Estranhamente noto que em mim nada mudou. O vírus do HIV abrigou-se naquele corpo definido e esbelto que o caracteriza desde o primeiro dia em que o conheci. A verdade revelada fez-me perceber que nada me impedia de continuar a sentir uma inegável atracção por ele. De uma forma inexplicável, aquele ser ainda permanecia uma parte de mim tão inteira que se o perdesse ficaria reduzida a metade. O teste fornecido pelo médico contorcia-se nas suas mãos. Aquele infortunado pedaço de papel era o causador de todo o turbilhão de emoções que ambos estávamos a sentir. – Deu positivo Beatriz, deu positivo! Gritou entre soluços que lhe corriam pela cara a par e par. O novo seropositivo perdeu-se assim no meu abraço. Estivemos nesse aperto no que me pareceram ser horas até que ele qual força da natureza me disse: - Ouve Beatriz, isto não está certo. Talvez seja a hora de cada um seguir a sua vida… Vejo a minha mão agarrar impulsivamente a dele e antes de começar a soluçar reuno as restantes forças largando: -Eu não te vou deixar partir tolo. Nem Pensar!
Sinto que ele precisa da minha ajuda e sei que ele faria o mesmo por mim se estivéssemos em situações opostas. A certeza que não me abandona neste momento difícil é que independentemente dos sacrifícios que sejam necessários fazer por ele jamais o deixarei. Há medida que brotam palavras de conforto da minha boca que reproduzo só para ele, sou assaltada por recordações outrora tão felizes que me fazem questionar se o “e viveram felizes para sempre” alguma vez irá acontecer connosco. Na verdade, Manuel nunca suspeitou que pudesse vir a ser portador do HIV até ver a sua ex namorada morrer consumida com esta doença. Desde então o medo tinha-se instalado na sua vida e os testes de rotina vieram revelar a realidade avassaladora que tomou conta de todos os seus sonhos e objectivos. Em vésperas de um casamento marcado e repleto de planos futuros vejo-me agora despojada de sentido e de esperança. Até onde estou disposta a ir por este seropositivo? Até ao fim, até ao fim de tudo!
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